terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Palavras


Falo com gente que não quer falar comigo. Falo com gente que não sabe quem eu sou. Falo com pessoas que não desejaria falar. Falo com o computador, com o travesseiro, com o cachorro e com o espelho. Às vezes falo e desejaria não ser ouvido, e outras vezes falo com o fundo da alma e ninguém percebe.
Algumas vezes tudo o que eu mais desejaria seria falar, outras vezes tudo o que eu queria seria não ter dito. O tempo passa. Rápido. As palavras ditas, as palavras não-ditas, as engolidas e as vomitadas – todas sem exceção, passam pelo crivo do tempo. Se foram bem ditas ou malditas quem vai dizer é o tempo.
Existem palavras que gostaríamos que tivessem sido expressadas e outras que poderiam mudar a nossa vida caso tivessem sido ouvidas. Ditados, conselhos, declarações de amor. O tempo passa por cima de todas, as põe sob o seu fogo consumidor, as prensa com seu peso insofismável e desta forma, as verdades sobrevivem.
O adágio popular afirma que quem fala muito, usa até mesmo os cotovelos para auxiliar na tarefa e a sabedoria criva que ouvir é melhor do que falar, mas na maior parte das vezes isso não me importa muito. Apesar de tudo o que foi escrito, não sou muito de falar. Pelo menosnão de falar sobre mim ou sobre o que sinto. Expresso (quase sempre) o que penso e isso as vezes me custa muito. Geralmente as pessoas tendem a prezar mais quem – de alguma forma – concorda com elas e eu me permito discordar.


Existem até mesmo casos em que a boca fala muito rápido o que o cérebro mal acaba de processar. Acontece muito comigo. Quase sempre minhas maiores gafes, minhas piadas mais sem graça, meus piores insultos e minhas conclusões mais estapafúrdias viajam do cérebro até a boca na velocidade da luz, enquanto meus sentimentos mais nobres, meus melhores elogios, minhas emoções mais sinceras seguem uma viagem lenta, vagarosa e cheia de paradas, por uma estrada muito tortuosa do coração até a boca. O resultado disso é que quase sempre falo muita coisa que não se aproveita muito e quase nunca digo o que realmente importa. Esse paradoxo é inquietante.
De vez em sempre eu falo comigo mesmo. Geralmente são conversas intensas e rápidas. Opiniões cem por cento sinceras sobre tudo, sobre todos. Sinceras demais. Ácidas demais. Apesar de ser uma conversa quase sempre inaudível externamente, por dentro os gritos me ensurdecem, me espantam e me calam.
Ouço bem o que as pessoas dizem muito embora tenha absoluta certeza de que quase ninguém realmente me escuta. Tem gente muito preocupada em ouvir sua própria voz, em falar de si, seus sentimentos, suas preocupações e anseios. Esse egoísmo revestido de pseudo-antropocentrismo dá a tônica da nossa sociedade atual: As pessoas andam tão vazias que as palavras que dizemos não encontram porto em seus corações, essas palavras voltam como o eco refletido e projetado em suas almas vazias.
Mas são as vozes do passado as que realmente me assustam. Falam de acontecimentos, de sentimentos e dores das quais prefiro não me lembrar, coisas que as vozes nunca me deixam esquecer. E nas cordas dessas más lembranças, nos ruídos dessas vozes que clamam do passado é que eu me enlaço, me sinto preso. E amarrado pelo medo do que já aconteceu, por vezes, deixo de vivenciar coisas novas.

Os tempos são difíceis e as palavras nem sempre as melhores. As pessoas esquecem que a maior parte do que dizemos não precisa de palavras.
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Apesar de Tudo Andre Rangel ainda espera por gestos que o façam esquecer das palavras ...

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