Falo com gente que não quer falar comigo. Falo com gente que não sabe
quem eu sou. Falo com pessoas que não desejaria falar. Falo com o computador,
com o travesseiro, com o cachorro e com o espelho. Às vezes falo e desejaria
não ser ouvido, e outras vezes falo com o fundo da alma e ninguém percebe.
Algumas vezes tudo o que eu mais desejaria seria falar, outras vezes
tudo o que eu queria seria não ter dito. O tempo passa. Rápido. As palavras
ditas, as palavras não-ditas, as engolidas e as vomitadas – todas sem exceção,
passam pelo crivo do tempo. Se foram bem ditas ou malditas quem vai dizer é o
tempo.
Existem palavras que gostaríamos que tivessem sido expressadas e outras
que poderiam mudar a nossa vida caso tivessem sido ouvidas. Ditados, conselhos,
declarações de amor. O tempo passa por cima de todas, as põe sob o seu fogo
consumidor, as prensa com seu peso insofismável e desta forma, as verdades
sobrevivem.
Existem até mesmo casos em que a boca fala muito rápido o que o cérebro
mal acaba de processar. Acontece muito comigo. Quase sempre minhas maiores
gafes, minhas piadas mais sem graça, meus piores insultos e minhas conclusões
mais estapafúrdias viajam do cérebro até a boca na velocidade da luz, enquanto
meus sentimentos mais nobres, meus melhores elogios, minhas emoções mais
sinceras seguem uma viagem lenta, vagarosa e cheia de paradas, por uma estrada
muito tortuosa do coração até a boca. O resultado disso é que quase sempre falo
muita coisa que não se aproveita muito e quase nunca digo o que realmente
importa. Esse paradoxo é inquietante.
De vez em sempre eu falo comigo mesmo. Geralmente são conversas intensas
e rápidas. Opiniões cem por cento sinceras sobre tudo, sobre todos. Sinceras
demais. Ácidas demais. Apesar de ser uma conversa quase sempre inaudível
externamente, por dentro os gritos me ensurdecem, me espantam e me calam.
Ouço bem o que as pessoas dizem muito embora tenha absoluta certeza de
que quase ninguém realmente me escuta. Tem gente muito preocupada em ouvir sua própria
voz, em falar de si, seus sentimentos, suas preocupações e anseios. Esse egoísmo
revestido de pseudo-antropocentrismo dá a tônica da nossa sociedade atual: As
pessoas andam tão vazias que as palavras que dizemos não encontram porto em
seus corações, essas palavras voltam como o eco refletido e projetado em suas
almas vazias.
Mas são as vozes do passado as que realmente me assustam. Falam de
acontecimentos, de sentimentos e dores das quais prefiro não me lembrar, coisas
que as vozes nunca me deixam esquecer. E nas cordas dessas más lembranças, nos
ruídos dessas vozes que clamam do passado é que eu me enlaço, me sinto preso. E
amarrado pelo medo do que já aconteceu, por vezes, deixo de vivenciar coisas
novas.
Os tempos são difíceis e as palavras nem sempre as melhores. As pessoas
esquecem que a maior parte do que dizemos não precisa de palavras.
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Apesar de Tudo Andre Rangel ainda espera por gestos que o façam esquecer das palavras ...
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