sexta-feira, 23 de agosto de 2019

O escritor de Epitáfios ou Meus Heróis não morreram de ovedose - Edição Especial de Colecionador: Eu


O escritor de epitáfios parte 2

A situação é inusitada. Mas hoje eu tenho a oportunidade – que talvez jamais tenha tido na história da humanidade – de escrever o meu próprio epitáfio, ou como eu sempre escrevo: “Meus heróis não morreram de overdose”.

Meus heróis não morreram de overdose – edição especial: André Rangel

Foi tudo muito rápido, de repente na esquina surge uma moto, um homem corre pra dentro da padaria, uma outra moto e ouve-se o som trovejante de tiros. Do outro lado da rua, aqui onde trabalho, uma pequena confusão, o guarda municipal tentando acalmar os alunos que aguardavam no pátio, na secretaria (cuja vista de sua janela é exatamente a padaria) a então secretária Dona Sandra se joga ao chão para se proteger das eventuais “balas perdidas” – como chamamos os disparos de arma de fogo que não encontram seus alvos diretos.
A confusão passa. Tudo parece normal. Mas um projétil traspassou a janela, rasgou a cortina, e se alojou dentro do armário de aço. Curiosamente a bala rasga a chapa à altura da cabeça de alguém sentado. Entre a janela e o armário há uma mesa de trabalho e, ao lado da entrada do projétil, uma cadeira onde eu deveria estar sentado.
Aquela bala chamada perdida, possuía um endereço um endereço sinistro: atravessar minha cabeça. Mas Graças a Deus, eu não estava ali, eu estava atrasado. Não tenho outra explicação que não seja a providência divina. Dez minutos me separaram da morte. Dez minutos realmente podem mudar a vida de um sujeito.
Em 23 de agosto de 2017, se completava uma semana q eu havia recebido a notícia de que a Shirley estava grávida da Beatrice. 10 minutos e eu não teria tido a bênção de conhecer a minha filhinha e nem mesmo de cortar seu cordão umbilical. A bíblia afirma que as misericórdias de Deus se renovam a cada dia e eu sou prova disso. Não mereço essa segunda chance e talvez não esteja aproveitando do jeito certo, mas espero em Deus fazer valer a pena.
Ainda tenho muitos sonhos, muitas coisas pra começar, outras tantas para terminar. E espero em Deus que Ele continue ao meu lado.



segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Eu me desbloguei do Mundo



O meu último texto foi quando meu pai morreu. Qualquer dia desses vou escrever um romance intitulado “O escritor de epitáfios”, a Shirley disse que eu só sei homenagear gente morta. Talvez seja verdade. Talvez não seja. Acredito que os vivos tenham sempre mais uma oportunidade de desfazer a imagem boa que tenho de alguns deles.­­ Já aqueles para quem escrevi  - todos sem exceção – deixaram excelentes lembranças e, mais que isso, saudades que doem.



Senti vontade de escrever mais um epitáfio, para o meu amigo Stan Lee, mas as palavras da Shirley ecoaram na minha cabeça e acabei desistindo. Talvez ainda escreva, muito embora após o susto da perda, muito da inspiração também vá embora, substituída quase que automaticamente pelo vazio robotizado das rotinas cotidianas.


Agora aqui estou eu. No Word. Digitando. Pensando na validade de publicar ou não algo que ninguém vai ler. Publicar pelo simples prazer de sair da inércia. Pela experiência de tentar novamente. Já sonhei em ser um bom escritor. Já sonhei em ser um escritor conhecido e reconhecido. Já sonhei. Não sei se sonho mais.Pelo menos não tenho trabalhado nisso, não me sobrevêm a inspiração e não realizo a transpiração para tanto. Segundo o facebook, Sylvester Stallone se trancou e só saiu de onde estava quando o roteiro de “Rocky – Um Lutador” já estava pronto. Segundo a História, George Orwell se trancou em um celeiro por 30 dias e só saiu de lá com a sua obra “Revolução dos Bichos”, completa. Talvez essa transpiração me falte. Se escrever é um exercício, estou eu aqui obeso de alma, gordo mental pela total ausência de malhação literária. O que me conforta é que Bernard Cornwell, autor de vários romances históricos, entre eles as crônicas saxônicas, as quais eu devoro com gula animal, em entrevista que li, disse não saber exatamente em que ponto de sua rotina os livros surgem, pois eles simplesmente surgem. Devo confessar que essa declaração me fez repensar a transpiração em escrever. Mas não devo me acomodar. Não mais.


Vou ficando por aqui com minhas dúvidas literais e literárias. Se alguém alem de mim chegar a ler é porque eu resolvi desblogar-me, se por outro lado, ficar aqui perdido dentre os documentos deste notebook, então talvez o silêncio ainda reine.

Andre Rangel ainda só transpira fisicamente.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Meus Heróis não Morreram de Overdose - Meu pai

Estou aqui no meu quarto deitado e rabiscando o caderno. A luz do sol preguiçosamente se esgueira pela fresta na janela enquanto minha filha Andressa do alto de seus 7 meses de idade, aproveita seu cochilo vespertino.Hoje se completa uma semana que ele se foi. Agora percebo o tanto que eu não conheci dele e, de tanto pensar, ando colecionando perguntas que não vou poder realizar. Isso tudo apesar de saber muito sobre ele, sobre suas histórias e sobre todas as coisas que simplesmente transpareciam através de seu comportamento e de seu caráter.
"meu pequeno cachoeiro" de Roberto Carlos - uma das músicas favoritas do meu pai

Deve ter sido muito duro ficar órfão de pai aos 12 anos, no iníco da década de 50 do século passado, e ainda ter 3 irmãos menores para ajudar a cuidar. Imagino também como deve ter sido difícil não possuir nenhuma lembrança física do pai que se foi tão abruptamente – afogado nas águas do rio itabapoana. Um episódio que me vem à lembrança é de quando era criança e encontrei um dos livros da casa recortado, fui perguntar à minha mãe quem havia recortado o livro e ela me disse que meu pai retirou a imagem porque o homem retratado se parecia com o meu avô Floriano Rangel.
Eron e Andressa (e seus futuros demais netos) não vão ouvir de sua boca que o único presente de natal que ele ganhou durante a infância foi uma bola. Uma singela bola.Nem tão pouco ouvirão dos tempos de escassez extrema onde as refeições – compartilhadas pela minha avó Dona Euza e por meus tios ainda pequenos: Morena, Odis e Suely  – consistiam das abóboras colhidas do quintal e de camarão fruto de suas pescarias de puçá – que para aumentar sua validade -  era devidamente seco. Ainda posso ouvir sua voz dizendo “café da manhã: abóbora com camarão; almoço: camarão com abóbora; Janta: abóbora e camarão” , eles também não ouvirão sobre sua ojeriza ao jiló e nem a história de como ele foi ludibriado em uma de suas viagens em um almoço onde o fruto era a estrela principal.
Agora me dei conta de que nunca mais os balconistas, garçons, frentistas e outros atendentes anônimos não serão mais chamados de “moreno”  não importando sua cor, raça ou nacionalidade. Nem vou mais ouvi-lo granjeando descontos todas as vezes em que ia comprar alguma coisa.  Hoje eu repito isso quase que inconscientemente.
A memória que tenho dele e que vou guardar pra sempre é a de que ele sempre foi um lutador. Tão durão e incansável quanto o mítico personagem Rocky Balboa criado e interpretado por Sylvester Stallone; Ficou órfão, se tornou arrimo de família, saiu da roça (Cachoeiro do Itapemirim/ES –Barra do Itapaboana/RJ) mudou-se para a capital da República, entrou para a marinha mercante, viajou o mundo, se empregou na antiga CONERJ – empresa estatal responsável pelo transporte aquaviário das Barcas no Estado do rio de Janeiro. Trabalhava em regime de escalas ora saindo de madrugada, ora chegando tarde da noite, o que afetava seus natais, réveillons, carnavais e demais feriados. 
Barca da CONERJ
Nos últimos anos sua luta foi contra o câncer na próstata. Não esmoreceu e enfrentou com sua bravura habitual o tratamento e os percalços que a doença tentou lhe impor. Apesar de tudo e de todas as lutas manteve sua fé. Agora em seus últimos dias estava um pouco abatido, seu ritmo havia diminuído não por desânimo, mas pelas altas cobranças físicas impostas pela doença.
Seguiu à risca a letra de um de seus hinos favoritos “se as águas do mar da vida / quiserem te afogar /segura na mão de Deus e vai (...) / Se a jornada é pesada / E te cansa a caminhada / Segura na mão de Deus e vai ...”; Sem desistir, seguindo em frente e mantendo a fé.
Eron e Andressa não vão jogar bola de gude em linha e também não vão bater uma bolinha (futebol) com ele, também não terão carrinhos de rolimã construídos por suas mãos. Os pequenos não vão poder rir da história da vaca vitória.
Ele simplesmente se foi. Creio que neste momento ele se encontra melhor do que nós, ao lado de Deus e vivendo a eternidade, longe das dores e das limitações desta nossa vida. Não sei se no céu tem rio mas se tiver talvez ele esteja por lá nadando, livre das preocupações e das aflições.
A ficha ainda não caiu. Não sei se um dia vai cair.
Seu Álvaro José, meu pai, grande inspiração para a minha vida. Só agora que sou pai consigo te entender. Durante muito tempo fui filho e agora que me tornei pai sua inspiração me ajudará a fazer um bom trabalho.
Este texto não é um adeus. É um “até breve”, cedo ou tarde nos reencontraremos novamente, daí o senhor vai poder me contar de novo as velhas histórias que eu nunca vou esquecer. Por enquanto vou usando meus rótidóguis nos ouvidos e apagando compulsivamente as lâmpadas, afinal o senhor não é sócio da light.

Hasta siempre, seu Álvaro.

Segura na Mão de Deus - versão sertanejo universitário


Domingo de Manhã - na minha infância - "GLOBO RURAL e SOM BRASIL"
com meu pai na frente da TV

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Contra quase tudo, contra quase todos e a favor das cartas

Estou em 2015, em dezembro de 2015, na semana do natal para ser ainda mais preciso. Talvez em um futuro longínquo não vá saber do que exatamente estou falando, por isso vou me investir de dotes jornalísticos e resumir um fato que foi muito comentado por esses dias. Não sei se isso vai ser estudado ou virar pauta nas aulas de história do Brasil mas o fato é que nossa atual presidente Dilma Roussef está passando por um processo de impeachment. Há mais ou menos duas semanas passadas, o nosso atual vice-presidente procurou uma forma de se desvincular das atitudes e da pessoa da atual presidente, para tanto se valeu da escrita de uma carta à princípio de caráter pessoal que enviou à presidente, mas que permeou todos as nossas mídias.
Desvinculando-me agora dos pormenores da mensagem, de suas implicações políticas e ou fisiológicas – talvez vocês no futuro já saibam no que deu isso tudo, mas aqui em dezembro de 2015, nada ainda foi resolvido – eu me apego à ojeriza que o envio da carta causou em nossa nação tecnológica, digital e virtual do início do século 21.
Só uma coisa que não poderia deixar de comentar: não sei se vocês ainda se utilizam do modelo conhecido como “rede social”, nesta semana por ordem judicial foi decidido que o whatsapp – um comunicador e uma das redes sociais que mais utilizamos em nossos aparelhos de telefone celular – tivesse sua funcionalidade suspensa em território nacional o que quase causou uma síncope nacional.
Posts e mais posts viralizaram na internet, fosse no facebook,no  twitter, no instagram ou no whatsapp, todos ridicularizaram o fato do vice presidente ter enviado uma carta – escrita (não sei se à mão) – à presidente.  
Eu venho render meus préstimos à velha carta. Sim à bisavó do email, prima irmã do bilhete e mãe de todos os jornais. Eu amo cartas. Não as recebo com freqüência, mas de vez em quando ainda me presto a sentar, abrir meu caderno e escrevê-las.  À mão como nos velhos tempos. Alguns dos meus textos que são aqui postados também nascem em folhas, com canetas em punho, deitado no chão ou sentado em algum canto no silêncio das palavras não ditas.
Existe algo de gentil e glamuroso nas cartas escritas à mão, elas são exclusivas, não podem ser reproduzidas em série e nem impressas quando pressionamos crtl+p. Esse tipo de carta envolve tempo, dedicação, carinho, capricho e atenção aos detalhes. Acredito realmente que você deixa um pouco seu em cada carta escrita à mão que envia.
Já enviei cartas das quais me envergonho, outras das quais tenho orgulho, algumas que jamais me lembrarei e outras que não me saem da cabeça. Cartas que escrevi pra mim mesmo, cartas que jamais tive coragem de entregar aos destinatários. Que as cartas vivam. Nosso país teve seu início com uma carta, grande parte do novo testamento na bíblia são cartas que Paulo enviou às igrejas ainda em formação.

Aos que torcem o nariz pra mim, sem problemas. Me enviem uma carta contando o que pensam.

André Rangel não vai escrever uma carta pro papai noel.

"Você me pede na carta, que eu desapareça ..."

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Então é Natal ...

Há muito tempo quando fui adolescente, essa música embalava os finais de ano. Lembro da extinta Antena1, uma emissora daqui do rio que só tocava flashbacks – por que um adolescente ouviria a Antena1? Não sei explicar – e nessa época o hit natalino era Happy Xmas (War Is Over) que é a música que originou a versão cantada pela Simone. Às vezes era véspera de natal e eu sempre me lembro de estar na cozinha ajudando minha mãe a fazer alguma coisa: rabanadas, fritando pastel, ajudando a limpar a cozinha. Pra mim o Natal sempre foi uma época triste. Não entendo os motivos que me levam a pensar assim. Talvez seja só a melancolia do ano que se finda ou a saudade das coisas e pessoas que se passaram.

Porém, cronologicamente, fisicamente, absolutamente é natal. Hoje é dezessete de dezembro e falta uma semana. É o primeiro Natal da minha dedessa que, no dia 25, irá completar seus primeiros seis meses (e como passa rápido ...) queria estar super animado, esfuziante, serelepe,  mas é natal ...

A Andressa é um raio de sol na minha vida. Quando eu chego em casa ela sempre me recebe com um lindo sorriso, aberto, largo e totalmente careca no alto de seus cinco meses. A coisa mais linda do mundo. Meus dias não tem sido os melhores e quando ela simplesmente sorri parece que tudo o que me aborrece automaticamente é devastado do mundo.

Melhor ainda é quando eu faço as palhaçadas menos engraçadas do mundo e ela gargalha. Com gosto e como se não houvesse amanhã.  Conto as histórias, levanto-a acima da minha cabeça e de repente realizo um ataque soviético de beijinhos e ela gargalha ... 

Me lembro agora de uma outra canção, gravada pela Pitty, “O mundo acaba hoje e eu estarei dançando ...” pego ela pelo braço e toca “it´s all about that bass” de Meghan Trainor e ela balança enquanto gargalha. A emoção que ela sente é tão genuína pela melodia que até as versões (como a do comercial da vivo) também a fazem dançar e gargalhar. Ah sim e também não posso deixar de citar os temas dos desenhos animados  ”Luna” e de “Meu amigãozão” que ela também ama. E então embalados por essas canções rimos, giramos, dançamos, dançamos e dançamos.

Existe esperança para este natal e para os próximos, Sem Simone, sem Antena1 e sem John Lennon. Procurando o afastarmento do materialismo e do consumismo, chutando a bunda do velho Noel e renovando-me pela presença da minha filhotinha linda. Os Rangel reforçam suas fileiras, agora na nova geração já temos o Eronzito e a Dedessa, Então é natal ... e que venham os próximos natais!

Meu pai, Sr. Alvaro, Eronzito e Dedessa


Happy Xmas! (The War is Over)

Dançando

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

“O futuro não é mais como era antigamente (...)”


O título é um fragmento da música “Índios” composta por Renato Russo e gravada pelo legião urbana em seu LP (Long Play – Disco de vinil para aqueles menos acostumados com a “old school” da múscia) chamado “Dois” no hoje distante ano de 1986.
Um ano antes, em 1985, foi lançado em holywood um filme chamado “De Volta para o Futuro”,  escrito e dirigido por Robert Zemeckis e Bob Gale, o filme instituiu uma neo-mitologia nerd. De acordo com essa obra, na data de hoje 21 de outubro de 2015, Marty McFly o protagonista da obra aportaria em nosso tempo, vindo de 1985 em um futuro – que agora podemos constatar – não se confirmou.
Ainda não temos cinemas holográficos, carros voadores movidos por mini-reatores nucleares e os afamados skates planadores.  Hoje posso ver que muito do que Zemeckis previu em seu exercício de futurologia estava baseado no desenho dos Jetsons criado pelos estúdios Hanna-Barbera.
 Meu sonho de consumo infantil: DeLorean Voador do Futuro
Mas hoje me contentaria com o Delorean "normal" do passado

Creio que McFly estaria profundamente decepcionado com o nosso ano 2015. Talvez como tenham predito os irmãos Wachowsky – criadores da trilogia Matrix – o ápice da nossa cultura e sociedade tenha acontecido por volta da virada do século XX. De lá para cá pouca coisa mudou. Como diria Elis Regina “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais(...)”.
Por outro lado, hoje utilizamos coisas que em 1985 seriam inimagináveis mesmo para os melhores xamãs e gurus de tecnologia. O advento da popularização da Internet e o acesso universal  à todo o conhecimento produzido pela humanidade, a virtualização de obras de arte e museus, as impressoras 3D, tevês de LCD e plasma não estavam previstas além da universalização das inúmeras telas que nos acompanham.
Se o futuro que sonhei graças à  Marty e o Dr. Emmet Brown não aconteceu, não me sinto frustrado, pelo contrário dou graças ao bom Deus que eu possa me empenhar em criar e moldar um futuro novo todos os dias, sem depender de previsões cinematográficas.

Bem vindo McFly ao futuro que você nunca sonhou. E que venham os próximos 30 anos!

Renato Russo e a Legião Urbana em Raríssima apresentação ao vivo

Andre Rangel ainda quer construir um futuro melhor para a sua "Dedessa".

terça-feira, 13 de outubro de 2015

A goiabeira e a vida

Quando comprei o terreno em que hoje está construída a minha casa, haviam três tipos de árvores frutíferas: bananeiras ao fundo, à frente de onde hoje é a varanda da casa uma árvore de graviola e onde hoje fica a janela do meu quarto havia uma goiabeira.
Uma árvore imponente dentro de sua simplicidade, fornecia sombra nos dias quentes e muitas goiabas vermelhas e doces nos meses de verão, livres de bichos e em grande quantidade, o que seria uma de suas maiores virtudes.
Infelizmente em dezembro de 2013 percebi algo diferente, a minha velha amiga goiabeira, que abrigava muitos ninhos de pássaros, e que embalava minhas tardes melancólicas nas quais minha mente vagava por entre as suas milhares de folhas, havia sido infestada por cupins. Até então eu ignorava que a praga dos cupins pudesse infestar uma árvore viva e pujante.

Desde então tentei algumas vezes matar os cupins mas tive medo de que as minhas investidas viessem a infectar seus frutos, envenenando aqueles que desfrutassem de suas rubras goiabas.
A partir destas investidas percebi que meus esforços seriam em vão, e que em pouco tempo ela acabaria cedendo ao seu próprio peso, caindo. Há três dias houve um forte temporal aqui em São Gonçalo, esta tormenta acompanhada de fortes ventos, me fez lembrar da enorme ferida causada no tronco da velha goiabeira. E que ela poderia sucumbir à essa força, caindo sobre a janela, ou sobre a calçada atingindo a rede elétrica, derrubando o aparelho de ar-condicionado, causando danos à parede do quarto.
A chegada da minha filhinha, em breve, acelerou minha decisão de abreviar a vida da goiabeira. Uma árvore como uma metáfora da vida, eu quis poupa-la até o último momento mas mantê-la representou uma ameaça à minha própria existência, o doce sabor de seus frutos me iludiu, me corrompeu, me entorpeceu a ponto de me impedir de ver como o buraco em seu tronco aumentava. Me manter em minha zona de conforto debaixo de sua sombra colhedora, comendo suas goiabas e ignorando o perigo me pareceu uma ideia muito mais interessante do que resolver o problema. Durante mais de uma ano eu simplesmente protelei o fim já decretado da goiabeira.

Penso na minha vida em várias goiabeiras que eu não cortei por pena e que hoje representam riscos reais à minha existência. Um hino antigo do cantor cristão diz “passarinhos, belas flores querem me encantar ...” essas minhas goiabeiras cheias de cupins da minha vida, devem ser arrancadas, só me falta a coragem.

Andre Rangel gosta de goiaba, por ser goncalense pode ser chamado de "papa-goiaba" e por sua natureza pode ser considerado um "zé-goiaba".

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

A vida ou A aterrorizante calma que se apresenta diante do inevitável


Não temos controle sobre os acontecimentos que influenciam a nossa vida. Incidentes, acidentes, chuvas, terremotos e todos os demais fenômenos afins nos atingem todos os dias e por mais poderosos, inteligentes, ricos, bonitos, famosos e influentes pensamos ser não podemos segurar os ventos, dar ordens à enorme massa de água dos oceanos ou apenas impedir uma flor de se murchar. As coisas seguem seu curso natural.

Agora me vem à cabeça a dolorosa agonia dos homens condenados à morte. A tortura de estar no corredor da morte, um lugar onde existe de tudo um pouco, há dor, remorso, dúvida, loucura, obsessão e só não existe esperança. Ao imaginar o terror da espera passiva pelo cumprimento da pena me espanta a não reatividade dos que estão nessa situação. Essa inércia seria fruto da ausência de motivação? Da morte da esperança? Da aceitação? Do remorso? Da culpa? Eu sei que são muitas perguntas. E com certeza, não tenho as respostas.

Os cientistas afirmam que o homem é o único animal que tem consciência da finitude da vida. Apesar disso ainda tentamos nos iludir com falsas intenções de controle, com falsos adiamentos, alimentações livres de colesterol, sem gorduras trans, com total ausência de glúten e com isso ganhamos menos peso e em tese acumulamos alguns anos à vida. Mas o que impediria os acidentes e acidentes?  Que força seria capaz de nos livrar da fúria da natureza tão agredida pela humanidade? Ou do calor do sol? Ou de misturar manga com leite?

Quando eu era criança o grande monstro comedor de vida e de tempo da humanidade atendia pelo nome de televisão, com seus raios azulados provenientes de uma caixa mágica que sugava o ânimo dos incautos. Agora sou devorado por monstros menores e mais eficazes: tablets, celulares e notebooks conectados à internet. Hoje as 24 horas do dia não são suficientes para que eu faça tudo o que eu desejo fazer ou tudo o que as pessoas desejam que eu faça. Já não está claro pra mim se a tecnologia me serve ou se eu me tornei servo dela. Minha vida se esvai rapidamente pelo ralo dos facebooks, whatsapps, e-mails, games e afins. Com a mesma passividade dos condenados eu assisto a tudo. A impressão que tenho e a de que sou expectador da minha própria vida. Quando eu não a conto através das redes sociais outros a contam com suas impressões, suas fotos em que sou marcado, seus comentários. Parece que perdi minha oportunidade de protagonizar minha biografia.

Eu sou cristão e acredito que o único capaz de controlar a natureza, os acidentes e incidentes é Deus, também acredito que tudo o que acontece está debaixo da sua permissão. Existe um princípio instituído por Deus que chamamos lei da semeadura: “o que o homem plantar, isso também colherá”, é impossível para quem planta batatas colher feijões. O meu futuro? Está nas mãos de Deus. O que vou fazer da minha vida e como vou aproveitar meu tempo essas são responsabilidades minhas. Não posso desperdiçar minha vida e depois culpar a quem quer que seja. Quero reaprender a viver e a dar valor ao que é importante.

A vida é muito curta. E ao contrário do que possa parecer eu não desejo a aterrorizante calma que se apresenta diante de todos os inevitáveis. Quero estar consciente e valorizar tudo.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

140 BPM


Isso aconteceu há mais ou menos um ano atrás. Mais de um ano na verdade. Foi a primeira vez em que fui com a Shirley para fazer ultrassonografia. Seria a confirmação inequívoca de que ela estaria grávida.

Já estava mais velho do que imaginei estar quando tivesse meu primeiro filho. Na minha adolescência sonhava ser pai jovem – já que quando nasci meu pai estava com 36 e eu não desejava isso para mim e nem para meu filho ou filha (ou quem sabe filhos). Mas apesar de toda a confusão de minha vida amorosa, não foi esse o destino que Deus me traçou.

Havia poucos meses desde que o Sr. Nilson, pai da Shirley, falecera e também poucos meses desde que a Suellen, esposa do Wanderson – seu irmão - havia descoberto estar grávida.  Portanto caso a gravidez fosse confirmada, a minha sobrinha Maria Luiza, já teria companhia para suas brincadeiras. À essa altura já sabíamos que se tratava de uma menina e o jovem casal também já havia definido o nome.

Estava eufórico e com medo. Apesar de tudo ainda não me sentia completamente preparado para ser pai. Duvidava das condições psicológicas q teria para tanto, para tudo o que isso implicaria. Orava a Deus e pedia forças. Estava nervoso mas não podia demonstrar.

Chegamos ao hospital onde o exame seria realizado. E esperamos como qualquer pessoa. Havia muitas grávidas. A ansiedade me fez perder a noção do tempo de espera. Não sei afirmar quanto tempo realmente se passou.

Após os aprontos e já dentro da sala dos exames não sabia como me comportar. Onde colocar a mochila, se era possível gravar ou tirar fotos, se podia falar ou não. Me senti imperfeito para a situação. Ao iniciar a ultrassonografia não conseguia desgrudar os olhos da tela, enquanto a medica fazia manobras por dentro da Shirley, quase tive uma síncope quando em meio a imagens desconexas consegui vislumbrar um pequeno saco gestacional.

Ela realmente estava grávida.

A comprovação cabal viria a seguir. Dentro daquela incrível engenhoca capaz de enxergar por dentro das pessoas, havia mais uma função: ouvir o pequeno coração que – segundo a médica – já estava se formando e batendo no peito do feto na barriga da Shirley.

O milagre da vida estava ocorrendo diante dos meus olhos. Como o salmista que disse: Tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de minha mãe. Eu te louvo porque me fizeste de modo especial e admirável. Tuas obras são maravilhosas! Disso tenho plena certeza. Meus ossos não estavam escondidos de ti quando em secreto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra.” - Salmos 139:13-15



E assim, pela primeira vez pude ver nos gráficos, o coraçãozinho da minha Andressa batendo, aceleradamente aos 140 BPM, anunciando ao mundo sua vida e sua vinda. Mudando completamente minha vida. Como na música “Dias de Luta” -  do Ira! - que diz: “se meu filho nem nasceu / eu ainda sou um filho ...” a partir daquele momento minha vida mudou, embora já não pudesse me considerar um pai, certamente já não era somente um filho. Ainda nem tinha visto a Andressa mas já a amava profundamente, mais do que a mim mesmo.

Dedessa, seu papai te ama!

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Palavras


Falo com gente que não quer falar comigo. Falo com gente que não sabe quem eu sou. Falo com pessoas que não desejaria falar. Falo com o computador, com o travesseiro, com o cachorro e com o espelho. Às vezes falo e desejaria não ser ouvido, e outras vezes falo com o fundo da alma e ninguém percebe.
Algumas vezes tudo o que eu mais desejaria seria falar, outras vezes tudo o que eu queria seria não ter dito. O tempo passa. Rápido. As palavras ditas, as palavras não-ditas, as engolidas e as vomitadas – todas sem exceção, passam pelo crivo do tempo. Se foram bem ditas ou malditas quem vai dizer é o tempo.
Existem palavras que gostaríamos que tivessem sido expressadas e outras que poderiam mudar a nossa vida caso tivessem sido ouvidas. Ditados, conselhos, declarações de amor. O tempo passa por cima de todas, as põe sob o seu fogo consumidor, as prensa com seu peso insofismável e desta forma, as verdades sobrevivem.
O adágio popular afirma que quem fala muito, usa até mesmo os cotovelos para auxiliar na tarefa e a sabedoria criva que ouvir é melhor do que falar, mas na maior parte das vezes isso não me importa muito. Apesar de tudo o que foi escrito, não sou muito de falar. Pelo menosnão de falar sobre mim ou sobre o que sinto. Expresso (quase sempre) o que penso e isso as vezes me custa muito. Geralmente as pessoas tendem a prezar mais quem – de alguma forma – concorda com elas e eu me permito discordar.


Existem até mesmo casos em que a boca fala muito rápido o que o cérebro mal acaba de processar. Acontece muito comigo. Quase sempre minhas maiores gafes, minhas piadas mais sem graça, meus piores insultos e minhas conclusões mais estapafúrdias viajam do cérebro até a boca na velocidade da luz, enquanto meus sentimentos mais nobres, meus melhores elogios, minhas emoções mais sinceras seguem uma viagem lenta, vagarosa e cheia de paradas, por uma estrada muito tortuosa do coração até a boca. O resultado disso é que quase sempre falo muita coisa que não se aproveita muito e quase nunca digo o que realmente importa. Esse paradoxo é inquietante.
De vez em sempre eu falo comigo mesmo. Geralmente são conversas intensas e rápidas. Opiniões cem por cento sinceras sobre tudo, sobre todos. Sinceras demais. Ácidas demais. Apesar de ser uma conversa quase sempre inaudível externamente, por dentro os gritos me ensurdecem, me espantam e me calam.
Ouço bem o que as pessoas dizem muito embora tenha absoluta certeza de que quase ninguém realmente me escuta. Tem gente muito preocupada em ouvir sua própria voz, em falar de si, seus sentimentos, suas preocupações e anseios. Esse egoísmo revestido de pseudo-antropocentrismo dá a tônica da nossa sociedade atual: As pessoas andam tão vazias que as palavras que dizemos não encontram porto em seus corações, essas palavras voltam como o eco refletido e projetado em suas almas vazias.
Mas são as vozes do passado as que realmente me assustam. Falam de acontecimentos, de sentimentos e dores das quais prefiro não me lembrar, coisas que as vozes nunca me deixam esquecer. E nas cordas dessas más lembranças, nos ruídos dessas vozes que clamam do passado é que eu me enlaço, me sinto preso. E amarrado pelo medo do que já aconteceu, por vezes, deixo de vivenciar coisas novas.

Os tempos são difíceis e as palavras nem sempre as melhores. As pessoas esquecem que a maior parte do que dizemos não precisa de palavras.
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Apesar de Tudo Andre Rangel ainda espera por gestos que o façam esquecer das palavras ...

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Meus heróis não morreram de Overdose – Episódio de Hoje: Roberto Bolaños

Roberto Bolaños e suas maiores criações

Não há muito o que explicar, não há muito o que ser acrescentado sobre uma personalidade que conseguiu com a força de seu carisma unificar toda a América Latina e, como consequência, todos os cidadãos latinos ao redor do mundo.
Roberto Bolaños até hoje me faz rir com seu humor leve e despretensioso. Nunca apelativo e nunca de duplo sentido malicioso. Nós rimos todos juntos da mesma forma, quer sejamos crianças, adultos ou idosos.
 O simples embate entre as diferentes personalidades de suas criações já era o suficiente para criar em nós o riso, a empatia e até mesmo fazer brotar algumas lágrimas.

O “Pequeno Shakespeare” – como era conhecido e proclamado por seus fãs – teve em todo o imenso conjunto de personagens pelo menos duas obras primas: “El Chavo Del Ocho” (Chaves) e “El Chapulin Colorado” (Chapolin).
Os moradores da sua vila mexicana imaginária poderiam viver em qualquer país da América Latina dos anos 80 e 90, com todas as glórias e todas as dificuldades que envolviam ser pobre e assalariado em economias capitalistas desgastadas. Amávamos o “Seu Madruga”, a “Chiquinha” e o “Chaves” porque nos víamos neles - em uma espécie de espelho mágico - que refletia nossas mazelas de terceiro mundo.
Outros personagens como o “Senhor Barriga”, a “Dona Florinda” e o “Professor Girafales” encarnavam – de uma certa forma – o outro lado da moeda, que mostra os favorecidos pelo sistema, os opressores. Se bem que sempre tive a impressão de que não passavam apenas de pobres “deslumbrados”, uma mostra dessa “opressão” eram os tapas que o “Seu Madruga” recebia todos os dias da deslumbrada “Florinda”.


O Chapolin nos trazia para a tela as fantásticas aventuras de um herói (com poderes contestáveis), derrotando vilões nem sempre tão maus – excetuando o violentíssimo “Tripa Seca”, o pirata “Alma Negra” e o pistoleiro “Racha Cuca” – em situações das mais esdrúxulas. O herói mais sem-noção de todos os tempos criava uma empatia quase instantânea com os expectadores seus bordões como “sigam-me os bons”, “não contavam com minha astúcia” e “se abusam da minha nobreza” que, aliás, tornaram-se clássicos.



Por todas as boas risadas que você me proporciona, por todas as boas piadas que você contou, por toda a moral escondida e toda a crítica social escondidas em suas crônicas da realidade que você travestiu de programas humorísticos, pelas horas de diversão sadia, pelo riso da criança que fui e, por fim, por todas as boas lembranças da minha infância que brotam quando vejo na TV, suas criações em forma de programas roteirizados. Muito Obrigado, Roberto “Chespirito – Pequeno Shakespeare” Bolaños ou pra mim, simplesmente Chaves. Como dizia a capa de um jornal aqui do Rio no sábado: “Espero que no céu tenha sanduíche de presunto.”
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Andre Rangel é fã do Chaves, curte muito o Chapolin porém não é assim tão apreciador de 
Sanduíche de presunto.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Quem sabe faz, quem não sabe, ensina

Já perdi a conta de quantas vezes já ouvi essa máxima absurda. Existe um tipo de gente, chamado de “O CHATO DO ANTIGAMENTE”, esse ser humano sempre fica se gabando de como as coisas eram melhores em um passado distante, e como se deterioraram com o passar dos anos. Eu não quero ser o “chato do antigamente” mas fico muito impressionado quando vejo o quanto os professores são desonrados todos os dias. Uma classe que foi desvalorizada e invalidada.
Vemos governos achincalhando professores, vemos policiais agredindo professores, pais e mães desrespeitando os professores e alunos que ameaçam, ofendem e (até mesmo) matam aqueles que dispuseram suas vidas para ensinar.

Hoje se comemora mais um dia dos professores, deveria ser um dia de festas e júbilos. Em um país mais sério hoje as pessoas deveriam reverenciar aqueles que se dedicam à formação não somente dos cidadãos da atualidade – já que vivemos em uma sociedade onde a chamada “formação continuada” obriga o aperfeiçoamento de todos os profissionais, mas também das pessoas que em um futuro breve, estarão governando esta nação e tomando as rédeas do mundo.
Quero deixar meus sinceros agradecimentos a todos os meus professores ao longo da vida e em especial a alguns que vou citar: Tia Alba Valéria da alfabetização, Tia Lúcia Helena da primeira série, Tia Marizete da quarta série, Geél de Português da Quinta série, Gilberto de História (sétima e oitava do fundamental), Milton de Matemática (sétima e oitava do fundamental), Batista de Educação física (sexta, sétima e oitava do fundamental), Erly de Matemática (primeiro, segundo e terceiro do ensino médio) são pessoas inesquecíveis e referências para a minha vida.
E se hoje se comemora um dia para aqueles que ensinam, quero também prestar homenagens ao Pastor Hércio de Mello e ao Pastor Heron Luís, vocês já conseguiram e acredito que agora mesmo estejam lá no céu, conversando e trocando muitas idéias saudáveis, já que são duas das pessoas mais inteligentes e cultas que tive oportunidade de conviver. Nós nos veremos nos céu – caso eu consiga chegar (brincadeirinha). Aos meus pais que sempre foram e ainda são meus principais professores aqui na terra e ao meu Deus que através do Espírito Santo me ensina, me consola e me guia todos os dias.
Já ensinei. Hoje não ensino mais. Sinto muita falta da sala de aula. Para falar a verdade, tenho sonhado com o dia em que vou retornar. Guardo em minha memória alunos, colegas professores, alunos que se tornaram professores e colegas de profissão, alunos que se tornaram amigos e que mesmo o tempo tendo se incumbido de nos distanciar ainda são muito amados e importantes.
Hoje é o nosso dia. Todos aprendemos e todos ensinamos. Que possamos valorizar mais as pessoas que dão suas vidas nos ensinar e nos ajudar a entender esse mundo que nos cerca.

Parabéns professores!
Duas das minhas últimas equipes como professor: acima CETEP Pendotiba
abaixo os professores do Projovem e alguns dos alunos.




segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Tomatinhos Miúdos

Se você não conhece- veja alguns na foto aí em cima

Todo inverno é assim. Do meio de onde nada foi semeado, onde nenhuma semente foi plantada, de lá mesmo eles surgem, primeiro com suas folhas tenras e um odor característico, aliás da planta de onde eles frutificam se solta um tipo de perfume característico, sempre verdinha de um verde também peculiar, e quando menos se espera, da mesma forma como elas foram brotando pelo chão, agora são exibidas minúsculas flores amarelas. Acho que o pequeno tomateiro é uma espécie de propagandeador do pavilhão nacional, e antes de nos brindar com seus frutos, exibe o verde-louro dessa nossa flâmula.

Lá em casa desde muito cedo, meu pai sempre plantou.
É uma dessas pequenas maravilhas de se morar no subúrbio, sempre tivemos quintal e meu pai sempre o aproveitou. Antes dessa onda de alimentos orgânicos lá em casa sempre nos alimentamos com bertalhas, taiobas, carurus, milhos, aimpins, tomates, quiabos, pimentões, batatas-doces, salsas, cebolinhas, isso sem falar dos maracujás, goiabas, mangas e outras tantas maravilhas da terra. Mas no meio de tantas plantações nos invernos ele sempre aparecia: o tomatinho miúdo (isso não seria um pleonasmo? Se é chamado de tomatinho é pelo seu tamanho menor do que o normal, ou seja: miúdo. Mas não vou me ater aos meandros da língua materna.)
Amigo inseparável da carne-seca, com seu vermelho vivo logo se destaca no prato, de um sabor ácido que lhe confere um “azedinho” característico, o tomate é pequeno mas cheio de personalidade. Ele surpreende pela sua parceria quase improvável com um bom peixe frito com molho – caramba só agora me dei conta de há quanto tempo não como um bom peixe frito com molho, que a minha mãe faz.

Agora estou ficando velho, ainda não tenho filhos, ainda não ensinei ninguém a plantar, nem mostrei os mistérios inquestionáveis dos tomatinhos miúdos, mas aqui em casa já tenho uma goiabeira, uma amoreira, uma aceroleira e um pé de ingá. Já colhi batatas-doces plantadas pelo seu Nilson e também aimpins. Nesse inverno mais uma vez, colhi os tais tomatinhos, não os plantei, aliás como nunca os plantei. Setembro está indo embora e com ele se vão os miúdos.

Os miúdos em frente (à esquerda) e verso (à direita)

Nem sempre eu notei ou valorizei esses pequenos milagres, eles acontecem todos os dias. É o sussuro da voz de Deus que fala até mesmo através do tomatinho miúdo, nos ensinando sobre o ciclo da vida.


André Rangel não possui nenhum latifúndio no Goiás mas ainda assiste ao Globo Rural todos os domingos pela manhã.