Estou aqui no meu quarto deitado
e rabiscando o caderno. A luz do sol preguiçosamente se esgueira pela fresta na
janela enquanto minha filha Andressa do alto de seus 7 meses de idade,
aproveita seu cochilo vespertino.Hoje se completa uma semana que ele se foi.
Agora percebo o tanto que eu não conheci dele e, de tanto pensar, ando
colecionando perguntas que não vou poder realizar. Isso tudo apesar de saber
muito sobre ele, sobre suas histórias e sobre todas as coisas que simplesmente
transpareciam através de seu comportamento e de seu caráter.
"meu pequeno cachoeiro" de Roberto Carlos - uma das músicas favoritas do meu pai
Deve ter sido muito duro ficar
órfão de pai aos 12 anos, no iníco da década de 50 do século passado, e ainda
ter 3 irmãos menores para ajudar a cuidar. Imagino também como deve ter sido difícil
não possuir nenhuma lembrança física do pai que se foi tão abruptamente –
afogado nas águas do rio itabapoana. Um episódio que me vem à lembrança é de
quando era criança e encontrei um dos livros da casa recortado, fui perguntar à
minha mãe quem havia recortado o livro e ela me disse que meu pai retirou a
imagem porque o homem retratado se parecia com o meu avô Floriano Rangel.
Eron e Andressa (e seus futuros
demais netos) não vão ouvir de sua boca que o único presente de natal que ele
ganhou durante a infância foi uma bola. Uma singela bola.Nem tão pouco ouvirão dos
tempos de escassez extrema onde as refeições – compartilhadas pela minha avó Dona Euza e
por meus tios ainda pequenos: Morena, Odis e Suely – consistiam das abóboras colhidas do quintal e de
camarão fruto de suas pescarias de puçá – que para aumentar sua validade - era devidamente seco. Ainda posso ouvir sua
voz dizendo “café da manhã: abóbora com camarão; almoço: camarão com abóbora;
Janta: abóbora e camarão” , eles também não ouvirão sobre sua ojeriza ao jiló e
nem a história de como ele foi ludibriado em uma de suas viagens em um almoço
onde o fruto era a estrela principal.
Agora me dei conta de que nunca
mais os balconistas, garçons, frentistas e outros atendentes anônimos não serão
mais chamados de “moreno” não importando
sua cor, raça ou nacionalidade. Nem vou mais ouvi-lo granjeando descontos todas
as vezes em que ia comprar alguma coisa. Hoje eu repito isso quase que
inconscientemente.
A memória que tenho dele e que
vou guardar pra sempre é a de que ele sempre foi um lutador. Tão durão e
incansável quanto o mítico personagem Rocky Balboa criado e interpretado por
Sylvester Stallone; Ficou órfão, se tornou arrimo de família, saiu da roça
(Cachoeiro do Itapemirim/ES –Barra do Itapaboana/RJ) mudou-se para a capital da
República, entrou para a marinha mercante, viajou o mundo, se empregou na
antiga CONERJ – empresa estatal responsável pelo transporte aquaviário das
Barcas no Estado do rio de Janeiro. Trabalhava em regime de escalas ora saindo
de madrugada, ora chegando tarde da noite, o que afetava seus natais, réveillons,
carnavais e demais feriados.
Barca da CONERJ
Nos últimos anos sua luta foi contra o câncer na
próstata. Não esmoreceu e enfrentou com sua bravura habitual o tratamento e os
percalços que a doença tentou lhe impor. Apesar de tudo e de todas as lutas
manteve sua fé. Agora em seus últimos dias estava um pouco abatido, seu ritmo havia
diminuído não por desânimo, mas pelas altas cobranças físicas impostas pela
doença.
Seguiu à risca a letra de um de
seus hinos favoritos “se as águas do mar da vida / quiserem te afogar /segura
na mão de Deus e vai (...) / Se a jornada é pesada / E te cansa a caminhada /
Segura na mão de Deus e vai ...”; Sem desistir, seguindo em frente e mantendo a
fé.
Eron e Andressa não vão jogar
bola de gude em linha e também não vão bater uma bolinha (futebol) com ele,
também não terão carrinhos de rolimã construídos por suas mãos. Os pequenos não
vão poder rir da história da vaca vitória.
Ele simplesmente se foi. Creio
que neste momento ele se encontra melhor do que nós, ao lado de Deus e vivendo
a eternidade, longe das dores e das limitações desta nossa vida. Não sei se no
céu tem rio mas se tiver talvez ele esteja por lá nadando, livre das
preocupações e das aflições.
Seu Álvaro José, meu pai, grande inspiração para a
minha vida. Só agora que sou pai consigo te entender. Durante muito tempo fui
filho e agora que me tornei pai sua inspiração me ajudará a fazer um bom trabalho.
Este texto não é um adeus. É um “até
breve”, cedo ou tarde nos reencontraremos novamente, daí o senhor vai poder me
contar de novo as velhas histórias que eu nunca vou esquecer. Por enquanto vou
usando meus rótidóguis nos ouvidos e apagando compulsivamente as lâmpadas,
afinal o senhor não é sócio da light.
Hasta siempre, seu Álvaro.
Segura na Mão de Deus - versão sertanejo universitário
Domingo de Manhã - na minha infância - "GLOBO RURAL e SOM BRASIL"
com meu pai na frente da TV
com meu pai na frente da TV
Nenhum comentário:
Postar um comentário